A ciência testa novas estratégias naturais contra fungos
O sonho do pão fresco e livre de conservantes químicos está mais próximo da realidade. Pesquisadores de 2025 avaliaram aditivos naturais “clean-label” capazes de inibir fungos e prolongar a durabilidade de pães sem conservantes artificiais. O estudo, publicado por Hernández-Figueroa e colaboradores, revela avanços promissores, mas alerta: garantir segurança microbiológica e estabilidade sensorial ainda é um desafio para a panificação natural.
A crescente busca por alimentos mais saudáveis, naturais e ambientalmente sustentáveis vem promovendo transformações profundas na indústria alimentícia — e o pão, um dos alimentos mais consumidos e simbólicos do mundo, tornou-se o foco central dessa mudança. O artigo “Evaluation of Clean-Label Additives to Inhibit Molds and Extend the Shelf Life of Preservative-Free Bread”, de Hernández-Figueroa et al. (2025), publicado na revista Applied Sciences (MDPI), apresenta um estudo experimental minucioso que investiga a eficácia de aditivos naturais na prevenção do crescimento de fungos em pães elaborados sem o uso de conservantes artificiais.
A pesquisa tem como ponto de partida uma questão essencial: seria possível substituir completamente os conservantes sintéticos tradicionais, como o propionato de cálcio e o sorbato de potássio, por alternativas naturais, mantendo, ao mesmo tempo, a durabilidade, o sabor e a qualidade sensorial do produto final? Para responder a essa indagação, os autores avaliaram doze aditivos comerciais classificados como clean-label, baseados em fermentados microbianos, extratos vegetais e metabólitos orgânicos com reconhecido potencial antifúngico e capacidade de prolongar a vida útil do pão.
O estudo foi conduzido com elevado rigor metodológico. Os pesquisadores prepararam diferentes formulações de pães, incorporando os aditivos selecionados em distintas concentrações, e armazenaram os lotes sob condições controladas de temperatura e umidade. O tempo necessário para o surgimento de bolores foi cuidadosamente monitorado e comparado com um grupo controle, livre de conservantes. Simultaneamente, foram realizadas análises físico-químicas da massa — incluindo atividade de água, pH e textura — além de avaliações sensoriais, a fim de verificar se os compostos naturais afetavam características como sabor, aroma e maciez.
Os resultados obtidos foram ao mesmo tempo promissores e desafiadores. Determinados aditivos naturais, especialmente os derivados de fermentados contendo Lactobacillus e Bacillus, conseguiram ampliar em até 60% o tempo de conservação do pão, retardando de maneira significativa o aparecimento de fungos visíveis. Essa ação antifúngica foi atribuída à produção de ácidos orgânicos, como o ácido láctico e o ácido acético, além de pequenas moléculas antimicrobianas que modificam o microambiente e dificultam o crescimento microbiano.
Entretanto, a eficácia desses compostos variou conforme a dosagem e a composição das formulações. Concentrações mais altas dos extratos vegetais intensificaram o efeito antimicrobiano, mas ocasionaram mudanças perceptíveis nas propriedades sensoriais — incluindo sabor mais ácido, textura menos aerada e aroma residual. Já doses reduzidas mantiveram as características sensoriais originais, porém apresentaram proteção microbiológica inferior. Assim, o estudo evidencia um dilema clássico da ciência dos alimentos: a dose ideal para garantir segurança nem sempre é a mesma que assegura aceitação pelo consumidor.
Sob o ponto de vista toxicológico, é destacado que, embora os aditivos naturais sejam geralmente considerados mais seguros, ainda há lacunas significativas no conhecimento sobre seus efeitos a longo prazo. Compostos obtidos por fermentação microbiana podem conter subprodutos cuja toxicidade e bioatividade não estão completamente elucidadas. Por isso, os autores defendem a implementação de uma toxicologia preventiva, com avaliações de segurança que acompanhem todas as etapas — desde o desenvolvimento do aditivo até sua aplicação em escala comercial —, garantindo um controle eficaz sobre potenciais riscos alimentares.
Outro aspecto relevante analisado pelos pesquisadores diz respeito à influência das condições ambientais sobre a eficiência antifúngica. O estudo demonstrou que fatores como variações de temperatura e umidade afetam diretamente o desempenho dos aditivos, evidenciando que a eficácia depende não apenas da natureza da substância, mas também do contexto de armazenamento e processamento. Essa constatação reforça a necessidade de protocolos experimentais mais padronizados, que levem em conta as condições reais de produção e comercialização de alimentos, e não apenas ensaios laboratoriais controlados.
Além da dimensão científica, o artigo aborda também as implicações socioeconômicas dessa inovação tecnológica. A incorporação de aditivos naturais do tipo clean-label pode elevar o custo de fabricação, mas, em contrapartida, agrega valor comercial ao produto e atende à crescente demanda dos consumidores por alimentos “sem conservantes artificiais”. Contudo, os autores alertam que a aparência de naturalidade não substitui a segurança alimentar: um pão sem conservantes sintéticos só pode ser considerado verdadeiramente saudável se os compostos utilizados forem rigorosamente avaliados e comprovados quanto à sua inocuidade.
Em suas considerações finais, o estudo de Hernández-Figueroa et al. (2025) representa um passo relevante rumo a uma panificação mais sustentável, inovadora e segura. A pesquisa demonstra que é tecnicamente viável produzir pães livres de conservantes sintéticos sem perder totalmente a durabilidade, mas também deixa claro que o equilíbrio entre eficácia microbiológica, aceitação sensorial e segurança toxicológica ainda exige aprimoramentos contínuos.
Para o campo da toxicologia dos alimentos, o trabalho constitui um marco conceitual importante. Ele redefine o papel do toxicologista, que deixa de ser apenas um avaliador de riscos para tornar-se um agente ativo na criação de soluções seguras e cientificamente embasadas. Em uma sociedade que valoriza o natural e o transparente, a pesquisa reforça uma verdade incontestável: a ciência continua sendo o principal ingrediente da confiança e da segurança alimentar.
HERNÁNDEZ-FIGUEROA, R. H.; LÓPEZ-MALO, A.; MEJÍA-GARIBAY, B.; RAMÍREZ-CORONA, N.; MANI-LÓPEZ, E. Evaluation of clean-label additives to inhibit molds and extend the shelf life of preservative-free bread. Microbiol. Res., v. 16, n. 8, 179, 2025. Disponível em: https://www.mdpi.com/2036-7481/16/8/179
. Acesso em: 6 out. 2025.
Por: Maria Rita de Souza
