Da natureza ao prato:
Novos rumos dos conservantes e corantes alimentares naturais
Cientistas têm explorado uma revolução silenciosa na indústria alimentícia: a substituição de conservantes e corantes sintéticos por compostos naturais com potencial antioxidante e antimicrobiano. O artigo “Natural Food Colorants and Preservatives: A Review” (Novais et al., 2022) reúne evidências de que ingredientes extraídos de plantas, frutas e especiarias podem proteger os alimentos com menos risco toxicológico, mas ainda enfrentam barreiras de estabilidade e custo.
A crescente inquietação diante dos efeitos que os aditivos químicos e conservantes sintéticos podem causar à saúde tem impulsionado tanto cientistas quanto consumidores a procurarem alternativas mais seguras, naturais e ambientalmente sustentáveis. O artigo “Natural Food Colorants and Preservatives: A Review”, publicado por Cláudia Novais e colaboradores (2022), aborda com profundidade essa tendência crescente e apresenta uma revisão abrangente sobre as possibilidades de substituição de compostos artificiais por substâncias de origem natural na preservação e na coloração dos alimentos.
A pesquisa demonstra que os conservantes e corantes naturais vêm ganhando destaque no setor alimentício devido às suas múltiplas propriedades funcionais, incluindo atividades antioxidante, antimicrobiana e a capacidade de aprimorar o valor nutricional dos produtos. Pigmentos como antocianinas, betalaínas, carotenoides e clorofilas não apenas conferem cores intensas e atrativas, mas também exercem papel biológico relevante, atuando como agentes protetores celulares, neutralizando radicais livres e retardando processos de oxidação lipídica. Já os conservantes de origem vegetal, provenientes de extratos de alecrim, orégano, alho e chá-verde, apresentam compostos fenólicos eficazes na inibição do crescimento de microrganismos deteriorantes e na redução de reações químicas indesejadas que afetam a qualidade do alimento.
Entretanto, os autores ressaltam que o processo de substituição total dos aditivos sintéticos ainda enfrenta limitações significativas. As substâncias naturais apresentam instabilidade frente à luz, ao oxigênio e às variações de pH, o que restringe sua aplicação em escala industrial. Além disso, muitos pigmentos vegetais possuem baixa solubilidade e alta sensibilidade térmica, comprometendo a homogeneidade da cor e reduzindo a vida útil dos produtos alimentícios. Para superar esses desafios, o artigo propõe estratégias como microencapsulação, utilização de nanopartículas e sistemas de liberação controlada, que podem otimizar a estabilidade e o desempenho dessas substâncias naturais.
Sob a ótica toxicológica, a revisão enfatiza que, embora os aditivos naturais sejam frequentemente considerados mais seguros, nem todos estão isentos de potenciais riscos. Determinados compostos de origem vegetal podem provocar reações alérgicas, interações químicas imprevisíveis e até efeitos tóxicos em concentrações elevadas. Dessa forma, o estudo destaca a necessidade de ensaios toxicológicos rigorosos, inclusive para substâncias naturais, a fim de garantir que a substituição dos aditivos sintéticos não introduza novos perigos à saúde humana.
Outro ponto de destaque abordado pelos autores diz respeito ao impacto ambiental associado à produção de aditivos naturais. A extração de pigmentos e conservantes a partir de frutas, flores e ervas requer grande quantidade de matéria-prima vegetal, o que pode gerar desequilíbrios ecológicos caso não haja manejo sustentável. Assim, o artigo defende o desenvolvimento de biotecnologias limpas, com destaque para o uso de microrganismos geneticamente modificados, capazes de sintetizar pigmentos e metabólitos antimicrobianos de maneira controlada, eficiente e ecologicamente responsável.
No panorama atual da indústria alimentícia, a revisão de Novais et al. (2022) representa uma contribuição essencial ao integrar ciência, tecnologia e saúde pública. Os autores demonstram que o consumidor moderno está cada vez mais exigente, valorizando produtos com rótulos simples e ingredientes reconhecíveis, alinhados ao movimento clean label. A crescente demanda por alimentos “livres de conservantes” vem impulsionando colaborações entre universidades, startups e indústrias, com o objetivo de desenvolver soluções naturais mais seguras e eficazes.
Sob o ponto de vista econômico, a incorporação de aditivos naturais ainda representa um desafio, uma vez que sua produção é mais dispendiosa e tecnicamente complexa em comparação aos aditivos sintéticos. No entanto, os autores projetam um futuro promissor, sustentado pelos avanços em nanotecnologia e engenharia de alimentos, que tendem a reduzir custos e ampliar a viabilidade comercial desses compostos naturais.
Em conclusão, o artigo reforça que a transição para o uso de aditivos naturais é um processo inevitável, mas que deve ser conduzido com responsabilidade e embasamento científico. A substituição deve buscar um equilíbrio entre saúde, estabilidade e sustentabilidade, assegurando que a segurança alimentar seja mantida. O estudo convida pesquisadores e profissionais do setor a repensarem o papel dos aditivos, reconhecendo-os não apenas como componentes tecnológicos, mas como elementos fundamentais na interconexão entre alimentação, saúde e meio ambiente.
MARTINS, F. C.; SENTANIN, M.; DE SOUZA, D. Analytical methods in food additives determination: Compounds with functional applications. Food Chemistry, v. 272, p. 732-750, 2019. DOI: 10.1016/j.foodchem.2018.08.060
Novais, C. et al. (2022). “Natural Food Colorants and Preservatives: A Review, a Demand and a Challenge.” DOI:10.1021/acs.jafc.1c07533
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Por: Gustavo da Silva Dantas
